Vendido como um escravo
- BLOG O CAMINHO
- 15 de abr.
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Em nossa peregrinação rumo à Páscoa, somos chamados por Jesus a nos aproximar cada vez mais d’Ele por meio da oração. Sem essa proximidade, jamais conseguiremos ver a verdade do nosso coração, tampouco experimentar a força da Sua misericórdia. O caminho que nos é proposto é o caminho da verdade e para a Verdade. Foi justamente a partir do encontro com a Verdade que a samaritana se tornou uma mulher livre e curada de seus males. A oração íntima com Jesus é o que nos possibilita viver e percorrer esse caminho. Para Santa Teresa, a oração é tão fundamental para a alma que ela afirma: “Quem começou a ter oração, não deve deixá-la, por mais pecados que cometa.” Aqui talvez esteja o grande problema de Judas: quando o pecado começou a desabrochar, ele foi, pouco a pouco, abandonando o caminho da intimidade, da oração, da contemplação com o Mestre. Para a Santa, “oração é um trato de amizade com Deus.” Judas, por se ocupar demasiadamente das coisas temporais e esperar um Messias que fosse um “líder da revolução judaica”, acabou por se afastar do Senhor — e também da comunidade. O afastamento de Judas traz para si consequências irreparáveis: isolamento, fechamento, ressentimento, mágoas, ódio etc. Afastar-se da oração é afastar-se de Deus, do Seu projeto, da comunidade. É colocar-se em risco — risco de morte.
O evangelho de hoje é o de Mateus 26,14-25 e começa dizendo que Judas procura os sumos sacerdotes e lhes faz uma proposta: “O que me dareis se eu vo-lo entregar?” Eles concordaram em trinta denários. (Mt 26,14-15). E o evangelho ainda continua: “Desde esse momento, ele procurava uma ocasião para entregá-lo” (Mt 26,16). Mateus dá a entender em seu evangelho — ao citar Zacarias (Zc 11,12) — que essa entrega de Jesus por parte de Judas é uma entrega, ou seja, uma traição por parte dos homens. Mas também é uma entrega da parte de Deus: o Pai entrega o Filho, e o Filho, por sua vez, entrega-se a Si mesmo até a morte — e morte de cruz, como nos fala São Paulo. É importante destacar que, embora os sumos sacerdotes tivessem a pretensão de matar Jesus, a iniciativa foi de Judas. Ele agiu livremente. É assustador. Foi um crime orquestrado, planejado com calma e frieza. Depois de todo o planejamento, ele ainda permaneceu no grupo dos discípulos, partilhando da vida e missão do Mestre, aguardando o momento oportuno para colocar seu plano em ação. O preço da entrega do Senhor foi o de um escravo: trinta moedas de prata. Na história bíblica, vemos que a traição está presente desde as origens: Caim, por ciúmes, trai a confiança de seu irmão Abel e o leva ao campo para matá-lo; José é vendido por seus irmãos por vinte moedas de prata; Jacó engana seu irmão Esaú; Isaac é traído por Jacó; Urias é traído pelo rei. A traição de Judas vai ainda mais longe: além de vender Jesus, dá-lhe um beijo como sinal. Jesus, como um escravo, é levado preso como um malfeitor. Vai preso sem levantar a voz, como um cordeiro mudo diante do matadouro, após um crime orquestrado por aquele a quem amou, a quem deu de comer, a quem lavou os pés. E o que Judas lhe dá em troca? Ingratidão. Prepara-lhe a morte, age na calada da noite, acreditando que o Mestre nada sabia.
Quando Jesus declara que um deles o trairia, os discípulos imediatamente começam a se perguntar: “Mestre, serei eu?” A atitude deles é muito diferente da de Adão e Eva, que buscaram culpados. Os discípulos, por sua vez, começam a se auto examinar. Mas Judas, com cinismo, pergunta: “Mestre, sou eu?” Ele sabia que era ele. Já havia decidido. Mas age com indiferença, como se nada estivesse acontecendo. Come do mesmo prato que o Mestre, demonstra um falso sentimento, age com hipocrisia — como os fariseus e mestres da lei.
É importante compreendermos que não foi Deus quem escolheu Judas para trair o Seu Filho. Foi o próprio Judas quem optou por esse caminho. Ele quis, por livre vontade, agir assim. Seus sentimentos para com o Mestre só poderiam ser falsos. Ao entregar Jesus, Judas entrega-se também ao seu destino. Quem não segue a Lei, não caminha na justiça e encontra um caminho de morte — sem ressurreição. É trágico o final da vida de Judas. Ele procura os sacerdotes e anciãos para devolver o dinheiro recebido por sua traição — um dinheiro amaldiçoado que o levou à perdição. Eles não se importaram com seu sofrimento interior. Ignoraram-no, dizendo: “Que temos nós com isso? O problema é teu.” (Mt 27,4) Judas, em ato de desespero, lança as moedas no Templo e corre para se enforcar. As moedas foram então usadas para comprar um terreno, onde se construiu um cemitério para estrangeiros. Desde então, o lugar recebeu o nome de “Campo de Sangue” (Mt 27,5-8).
Diante da contemplação da Paixão de Nosso Senhor, cada um de nós deve refletir: que sentimentos devem permanecer em nosso coração? Também devemos nos questionar como os discípulos: “Senhor, será que eu não estou te traindo?” Será que meu coração ainda está preso às coisas do Céu, ou, como Judas, está muito apegado à terra? Tenho elevado meu coração com atos de amor, ou sigo mesquinho, caindo facilmente nas armadilhas do egoísmo? Apesar das nossas fraquezas, limites, infidelidades e pecados, devemos firmar com o Senhor o propósito de ser fiéis, como Pedro, que mesmo com fé vacilante não teve medo de gritar: “Senhor, salva-me!” (Mt 14,30) E Jesus respondeu a Pedro — e a nós também: “Simão, Simão, eu rezei por ti, para que a tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos.” (Lc 22,32)
Corramos ao encontro de Jesus por meio da oração. Sejamos humildes. Peçamos que Ele nos ilumine para nos conhecermos melhor e afaste de nós tudo aquilo que nos separa d’Ele. O Senhor abrirá os nossos corações e nos mostrará a verdade. Jesus foi vendido como escravo — e o preço de Sua morte foi a nossa liberdade. Portanto, sejamos livres! Como diz o apóstolo Paulo: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais de novo ao jugo da escravidão.” (Gl 5,1)
Finalizo esta meditação com as palavras do nosso pai e fundador para este dia:
“Judas entrega Jesus por trinta moedas de prata. Era essa a importância pela qual se vendia um escravo. De fato, Jesus sofreu o tipo de morte que somente os escravos e os piores criminosos podiam sofrer. Não foi o dinheiro que levou Judas a cometer tal ignomínia, foi o ressentimento transformado em ódio, por Jesus não ter aceitado o papel de ‘líder da revolução judaica’.
A noite da traição começara bem antes. Judas já não compartilhava os mesmos ideais. Seu coração endurecera. Já não acreditava na proposta de Jesus. Quem se deixa dominar pelo rancor, vai se desintegrando aos poucos. Judas arquitetou tudo: a melhor oportunidade para entregar Jesus (Mt 26,16), tomando cuidado para que ninguém soubesse (Lc 22,6).
Além da decepção e do rancor, com certeza ele começou a se sentir rejeitado. Não que de fato fosse. Jesus o amava profundamente. Mesmo sabendo que seria traído, não o expulsou do grupo — na esperança de que voltasse atrás.
Jesus não rejeitou Judas. Jesus rejeitou sua obstinação em transformá-lo num mero libertador político.
Judas agiu como nós, quando sentimos que nossas ideias não são aceitas ou quando somos exortados. Concluímos, erroneamente, que não estamos sendo aceitos.
Dependendo da nossa história pessoal — rejeição na infância, temperamento, caráter — o sentimento de rejeição pode tornar-se um câncer que vai nos corroendo por dentro. Seus sintomas são: isolamento, fechamento, ressentimento…
Se essa doença não for tratada, só tende a crescer. E, como Judas, passamos a eliminar todos aqueles por quem nos sentimos rejeitados.
Nesta Quarta-feira Santa, peçamos a graça da virtude contrária à rejeição: a aceitação.
Aceitemos nossa história, nossas feridas, nossas imperfeições.
E, sobretudo, aceitemos que, em Jesus Cristo, morto e ressuscitado, somos novas criaturas — e podemos mudar a qualquer momento da vida.” — Frei Antônio da Paixão de Cristo, pjc.
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